Um pouco da compaixão do universo austeniano
Há pouco tempo, ao reler trechos do romance Razão e Sensibilidade, de Jane Austen, fui novamente cativada pelo episódio transcrito abaixo, um dos que explicam o porquê de Elinor Dashwood, protagonista da referida obra, ser minha heroína literária preferida. Apesar de aparentemente simples, a passagem ilustra, por meio da personagem em questão, a qual, a propósito, pouco conhecia o coronel Brandon até então, a importância de não ceder a julgamentos alheios como norte para definir a personalidade ou as propensões de alguém, mesmo que contra este certas circunstâncias possam ser pouco auspiciosas. São, em suma, defendidos a cautela, o conhecimento e o discernimento como fatores necessários para emitir um juízo de valor a respeito de um indivíduo, a fim de que este não seja alvo de preconceitos, de menosprezo e, assim, de interpretações equivocadas. Não farei exposições particulares acerca do enredo de Razão e Sensibilidade, para que aqueles que ainda não o leram não se depararem com informações cruciais antes da hora, porém as pessoas que conhecem – e compreendem – sua trama sabem o quão relevante evidencia-se o episódio a seguir não só de forma isolada, mas também (e principalmente) na conjuntura do romance, com base nos desdobramentos e nos significados que se descortinam, pouco a pouco, para o leitor. Em suma, a palavra-chave que deve guiar uma conduta decente para com o próximo, ensina-nos Austen, é compaixão.
"– Brandon é o tipo de homem – disse Willoughby um dia, quando comentavam a respeito dele – de quem todos falam bem, mas com que ninguém se importa; que todos se encantam de encontrar, mas que ninguém se lembra de chamar.
– Mas não se divirtam com isso – interferiu Elinor –, pois seriam injustos. Ele é muito estimado por todas as famílias de Barton Park. Eu mesma jamais o vejo sem fazer o possível para conversar com ele.
– Com certeza – comentou Willoughby –, é um privilégio dele ser considerado pela senhorita, mas quanto à estima que receberia dos outros, é um fracasso vergonhoso. Quem se submeteria à indignidade de ser aprovado por mulheres como lady Middleton e a sra. Jennings, aprovação esta que pode provocar a indiferença de todos os demais?
– Entretanto, talvez os insultos vindos de pessoas como o senhor e Marianne possam contrabalançar as atitudes de lady Middleton e da mãe dela. Se o apreço delas significa censura, a censura de vocês pode ser apreço, pois essas senhoras não são mais sem discernimento quanto vocês são preconceituosos e injustos.
– A senhorita pode ser muito insolente em defesa do seu protegido...
– O meu protegido, como o senhor o chama, é um homem sensível, e sensibilidade sempre foi uma atração para mim. Sim, Marianne, isso existe mesmo em um homem entre os trinta e os quarenta anos. O coronel Brandon já viu uma boa parte do mundo, viajou, leu e pensou muito. Descobri que é capaz de me dar informações a respeito de incontáveis assuntos e sempre respondeu às minhas perguntas com o desembaraço e presteza da sabedoria e da boa vontade.
– Isso significa – replicou Marianne, acaloradamente – que ele lhe contou que no leste da Índia o clima é quente e os mosquitos são importunos.
– Ele poderia ter me contado isso, não duvido, se eu lhe perguntasse, mas acontece que há detalhes como esse que já conheço, graças a informações anteriores.
– Talvez – ironizou Willoughby – as observações dele tenham se estendido até a existência de nababos, moedas de ouro e palanquins.
– Devo aventurar-me a dizer que as observações dele alcançaram muito mais adiante do ponto em que chega a sua candura. Por que não gosta dele?
– Não é que eu não goste dele. Ao contrário, eu o considero um cavalheiro muito respeitável, de quem todo mundo fala bem, mas que ninguém nota; que tem mais dinheiro do que pode gastar, tempo demais que não sabe como usar e duas casacas novas por ano.
– Acrescente também – apoiou Marianne – que ele não tem sagacidade, bom gosto, nem espírito. Que sua inteligência não é brilhante, seus sentimentos não têm ardor e sua voz é sem expressão.
– Você baseia as imperfeições dele na quantidade – retrucou Elinor – e, a maior parte, na força da sua própria imaginação quando o considera frio e insípido; mas nada posso refutar nesse ponto. Todavia, eu posso afirmar que ele é um homem sensível, bem-educado, bem informado, gentil e tenho certeza de que possui um bom coração."
Excerto oriundo da tradução de Therezinha Monteiro Deutsch
Comentários
Postar um comentário