Resenha: A Ratoeira e Testemunha da Acusação, de Agatha Christie

A Dama do Crime no papel de dramaturga

Estava eu na adolescência quando travei contato inicial com a Rainha do Crime, Agatha Christie, ainda que, até algumas semanas atrás, só conhecesse seus romances, como os excelentes Assassinato no Expresso do Oriente, A Morte no Nilo e O Assassinato de Roger Ackroyd, de maneira que, ao optar por desbravar A Ratoeira, debrucei-me, pela primeira vez, sobre uma peça teatral de sua autoria. Deparei-me de imediato com uma ação ágil e instigante, tal qual a da maioria de seus romances, algo que me compeliu a dar rápido prosseguimento à leitura da trama, ambientada num único cenário, o do salão da Pensão Monkswell Manor, que fiz questão de reproduzir no papel a fim de melhor me orientar. Para meu espanto, consegui adivinhar, antes de essas informações virem à tona, quem eram as duas pessoas que estavam na mira do assassino do caso criminal que introduzira o enredo, se bem que, é claro, não tenha sido capaz de atinar para a identidade do criminoso. Uma vez que não sou estraga-prazeres, não darei qualquer spoiler a esse respeito, limitando-me a declarar que a revelação do personagem que por pouco não se tornou um serial killer não só me surpreendeu, como também me assustou, a ponto de eu sentir certo medo, tamanha a maestria de Christie para ocultar o louco matador durante toda a ação de seu escrito. Não é à toa que o texto em questão, intitulado The Mousetrap, no original, em inglês, está, há 73 anos ininterruptos, em cartaz em teatros londrinos.


Isso, todavia, não é tudo o que tenho a comentar a respeito do talento de Christie como dramaturga. Na verdade, poucos dias após haver concluído A Ratoeira, decidi que seria oportuno aproveitar a recente retomada de leituras policiais a fim de embrenhar-me por outra peça de sua autoria, Testemunha da Acusação, cujo teor mais detalhista e mais intrincado em comparação ao da trama que eu tinha acabado de devorar revelou-se logo na Cena I do Ato I. Com base na ambientação em dois cenários distintos, a sala particular do escritório de Sir Wilfrid Robarts Q. C. e o Tribunal Criminal Central de Londres, de novo me vi perante uma ação eximiamente bem conduzida, que se construiu mediante diferentes testemunhos, pontos de vista e provas acerca de um assassinato, estabelecendo, por sua vez, uma gama de minúcias ao redor do caso investigado que me fez suspeitar de um aparentemente insuspeito personagem da história. Em seu desfecho, entretanto, percebi que estava, para variar, enganada, embora o assassino não fosse alguém que eu tivesse, de fato, descartado de minhas conjecturas. Não obstante ter me causado algum impacto o descortinamento do frio criminoso, não posso deixar de ressaltar que a conjuntura criada em seu entorno para escondê-lo foi aquilo que se evidenciou o grande trunfo da peça, tendo se mostrado a pessoa responsável por tal artimanha a mais complexa e a mais interessante dentre os personagens concebidos. Por fim, o derradeiro episódio da trama, protagonizado justamente por essa insigne figura, conferiu à ação um excitante toque dramático, o qual deve ter arrepiado aqueles que tiveram a oportunidade de assistir à encenação de Testemunha da Acusação.

Aos leitores dos romances policiais de Agatha Christie não posso me furtar, pois, a recomendar ambas as peças que aqui abordei, textos tão engenhosos quanto os de seus romances e tão assombrosos – no melhor sentido possível do termo – quanto estes.

– Karen Monteiro

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