Resenha - A GATA.DOC, de Antônio Aurélio Constâncio

A fascinação exercida por uma novela inesquecível


Capa do ebook A GATA.DOC, de Antônio Aurélio Constâncio

No decorrer da segunda metade do século XX, época do aprimoramento das técnicas da produção televisiva no Brasil, tramas pautadas por enredos bem engendrados e agraciadas por elencos muito afinados alicerçavam os ditames da teledramaturgia nacional, viabilizando, inclusive, a imprecisa, porém, patente miscibilidade desta com o cotidiano de grande parte da população do país. Com efeito, graças aos folhetins, que atuavam como "carros-chefes" de suas respectivas grades de programação, emissoras tais quais as extintas TVs Excelsior e Tupi, além da ainda ativa Rede Globo, instituíram-se e consolidaram-se, ao mesmo tempo que atores, diretores e autores, que contribuíram para seu sucesso firmar, conquistaram a simpatia do público e a aclamação da crítica. Nesse sentido, determinados nomes, naturalmente, alçaram voos mais amplos do que outros, o que lhes garantiu consagração permanente, conforme se dá com os membros da insigne categoria dos novelistas, que, embora não apresente uma figura-mor, pode ser encabeçada pelo pioneirismo e pela versatilidade de Ivani Ribeiro, criadora de obras notórias, vide as duas versões de Mulheres de Areia e de A Viagem, sem mencionar uma das dez tramas de maior audiência da história da televisão brasileira: A Gata Comeu (1985).

Em razão da abordagem inteligente, criativa e sobretudo original de típicos elementos folhetinescos, a exemplo da defesa dos enlaces amorosos como sentimentos progressivos e enobrecedores, em vez de instantâneos e inconsequentes, e das relações familiares como vínculos conflitantes e realistas, em lugar de brandos e inverossímeis, o mais famoso enredo pela autora supracitada concebido (notadamente remake da novela da Tupi A Barba-Azul, de 1974) angariou incontáveis admiradores ou "gatamaníacos" não só no período de sua exibição original, mas também nas ocasiões de suas reprises, as quais permitiram que pessoas de diferentes gerações encantassem-se pelas trapalhadas românticas da adorável Jô Penteado. Com base nessa gama de telespectadores, o jornalista Antônio Aurélio Constâncio arquitetou A GATA.DOC: Documentário impresso sobre um dos maiores fenômenos da teledramaturgia brasileira, livro-reportagem que, ao longo de 12 capítulos, distribuídos por quase 200 páginas, dedica-se a explorar, por meio da compilação e da combinação de informações oriundas de diversas entrevistas reveladoras, de várias reportagens instigantes, de algumas críticas especializadas e de certas estatísticas oficiais  veiculadas, em 1985 e em anos posteriores, por publicações tais quais a revista Amiga, o jornal O Globo e o livro São Paulo na Idade Mídia –, as minúcias dos bastidores da produção, da gravação e da repercussão de A Gata Comeu

Em sua obra, de fato, Constâncio, fã da novela em pauta desde sua primeira apresentação, manifesta maestria na estruturação dos conteúdos dos capítulos, bem interligados uns aos outros, que, quando não se atêm a detalhar particularidades concernentes ao trabalho de determinado grupo de atores, representativo de dado núcleo de personagens da história, ocupam-se, entre outros, a esmiuçar as participações especiais com que a trama contou ou a discutir os pormenores técnicos que o folhetim apresentou. Deve-se ressaltar, todavia, que o resultado da pesquisa do jornalista, apesar de encerrar excelente teor, evidencia-se, pelo livro, fundamentado de modo precário tanto no registro de certos nomes, por exemplo, o do personagem Martim, o da cantora Liliane e o do periódico Folha de S. Paulo, que aparecem grafados, de maneira respectiva, como "Martin", "Eliane" e "Folha de São Paulo", quanto na atenção a muitas regras elementares da gramática normativa, por extensão, a utilização certa das regências nominal e verbal, o uso adequado da crase e, principalmente, a aplicação coesa da sinonímia e o emprego correto da vírgula. 

Ainda que um substancial trabalho de revisão de texto deva ser efetuado em A GATA.DOC, não se pode negar, no entanto, ser sua leitura agradável, instrutiva e, sem dúvida, inédita, uma vez que, até janeiro de 2018, data do lançamento da obra, disponível somente em formato ebook Kindle da Amazon, admirador algum da mais emblemática comédia romântica de Ivani Ribeiro havia homenageado esse folhetim mediante um livro documental. Merece, por conseguinte, destaque o caráter inovador do empreendimento de Antônio Aurélio Constâncio, responsável por presentear, de forma única, os milhares de eternos "gatamaníacos", que, por todo o Brasil, são verificáveis, assim se declarando, sem quaisquer constrangimentos, pronta e orgulhosamente.


 Karen Monteiro

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