Assassinatos e Assombrações nos Estados Unidos
Conceber boas histórias, providas
de personagens emblemáticos, de peripécias intrigantes e, sobretudo, de
mensagens significativas jamais se considerou tarefa fácil por escritor de
ficção algum. Transpor, então, para o papel, episódios reais, envolvendo sujeitos
de carne e osso, pode representar uma responsabilidade ainda mais complexa, uma
vez que não apenas se deve priorizar a absoluta verdade no tratamento dos
eventos narrados, mas também se recomenda empregar os mais perspicazes e, ao
mesmo tempo, inventivos artifícios estilísticos e narrativos, a fim de garantir
o envolvimento e o entretenimento do leitor que acompanha a trama.
Criada nos Estados Unidos, em
1922, sob o título de Reader’s Digest,
e trazida, vinte anos mais tarde, para o Brasil, a revista Seleções tem conquistado notoriedade, desde então, com suas edições
mensais, que, além de invariavelmente contemplarem artigos fundamentados em
assuntos como saúde, alimentação, viagens e humor, sempre abrangem textos que
se enquadram no segundo exemplo de narrativa mencionado no parágrafo anterior.
Com efeito, certas seções, tais quais Momento
Decisivo e Livro do Mês,
responsáveis por apresentar enredos de não ficção pautados, respectivamente,
por dramas humanos e por conspirações policiais, muito alavancaram a
popularidade da publicação. Decidida, no entanto, a oferecer a seu público uma
experiência cultural potencialmente enriquecedora, a revista nunca deixou de
investir no lançamento de livros de variados gêneros – como romances e
enciclopédias – e de ambas as esferas de abordagem – a objetiva e a subjetiva
-, dentre os quais uma obra em particular merece destaque.
Editada, em 1963, pela primeira
e, aparentemente, única vez, a coletânea As
Melhores Histórias Reais de Crime, Mistério e Suspense supera, sem dúvida,
quaisquer outras propostas de compilação de casos verídicos desenvolvidas
anterior ou posteriormente à sua promoção pela Seleções. Envolto por uma charmosa capa dura, o volume logo atrai a
atenção de quem se depara com sua elegante aparência, que, no decorrer da
leitura, revela-se digna de seu volumoso conteúdo. Isso se deve ao fato de que,
ao longo de suas 502 páginas, distribuem-se, vinculados às mais diversas
autorias, 57 contos, que, sem demora, cativam a admiração daqueles que os
acompanham, devido à perspicácia de valerem-se, apesar de seu caráter não fictício,
de duas das mais atraentes vertentes de assuntos literários: o suspense
policial e o mistério sobrenatural.
Uma vez que a Reader’s Digest tem sede em território
estadunidense, a grande maioria das intrigas do livro ambienta-se em sua terra
natal, palco de famosos esquemas fora da lei e, ao mesmo tempo, de obscuros
fenômenos aparentemente paranormais. Posto que os meios físico e cultural não
sejam muito variados, o intervalo cronológico dos episódios contidos na obra
denota-se amplo. Com efeito, enquanto Tem
a Palavra a Defesa, relato de um julgamento de homicídio realizado em 1845
de que o então praticamente desconhecido Abraham Lincoln assumiu a defesa,
debruça-se sobre o mais antigo caso criminal exposto em Histórias Reais..., Assassino
à Solta, história de sete empregados de uma empresa de construção civil
feitos reféns em 1959 por um fugitivo da polícia, dedica-se à mais recente
ocorrência do gênero discutida no volume.
Deve-se afirmar, na verdade, que,
salvo a possibilidade de classificarem-se, de modo restrito, nas categorias
“policial” e “mistério”, muitas são as atribuições que se podem conferir aos
contos. Há, por um lado, tramas eminentes, dotadas de estilo fluido, como O Detetive que Não Entendia de Mulheres, O Caso de Lorde Dufferin, Uma Mulher que Falou com os Mortos e Ponzi e a Sua Monumental Vigarice; por
outro, enredos promissores, contudo,
tolhidos por abordagens monótonas, tais quais Quatro Meses Numa Casa Mal-Assombrada e Pacto de Reunião. Notam-se, ainda, circunstâncias previsíveis,
porém convidativas, por exemplo, Um
Estranho no Carro e A Maldição de
Amon-Ra; além de conjunturas peculiarmente comoventes, como O Retrato de Harry e A Mãe do Presidiário.
Três dos cinco contos mais
extensos do livro, detentores, cada qual, de, pelo menos, 30 páginas, também
merecem menção. O mais fantástico, sem dúvida, é O Homem que Vendeu a Torre Eiffel, deliciosa narrativa pautada nos
frequentes engodos passados pelo vigarista Victor Lustig, seguido por Revivendo o Assassinato de Lincoln,
instigante relato baseado nas inúmeras circunstâncias sombrias em torno da
morte do mais famoso presidente norte-americano, e, finalmente, por O Conde de Gramercy Park, dinâmica trama
fundamentada numa série de reviravoltas excitantes, responsáveis por manter o
ritmo de seus acontecimentos marcantes.
Outro aspecto interessante que se
pode ressaltar na obra são as autorias famosas de alguns de seus episódios.
Verificam-se, de fato, não só três casos criminais – O Fantástico Sr. Means, O
Tesouro no Túmulo e O Terror dos
Antros – escritos pelo fundador e, por cerca de meio século, diretor do
Burô Federal de Investigação dos EUA (FBI), J. Edgar Hoover, como também um
curto, porém, instigante suspense – Doutor
Sabe-Tudo – narrado mediante a envolvente técnica literária do consagrado
romancista inglês William Somerset Maugham.
Desejável certamente seria o
relançamento, pela Revista Seleções, de tão formidável coletânea como As Melhores Histórias Reais de Crime,
Mistério e Suspense. É inegável que tanto uma bem engendrada intriga
policial como uma aterradora história sobrenatural seduzem os anseios
literários da maior parte dos leitores, independente de idade e de bagagem
cultural. Torcer, pois, para que a atemporalidade e a universalidade das muitas
experiências delineadas na compilação sejam resgatadas numa nova edição é o que
resta ao público atual, com certeza, tão curioso quanto o de mais de 55 anos atrás.
– Karen Monteiro
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